quarta-feira, 4 de maio de 2011

No ritual secreto III

O encontro com as crianças e seus professores foi um enlevo recíproco. Senti nas crianças aquela energia peculiar aos entusiastas e nos mestres e mestras ali presentes aquela aura paternal e maternal que todo profissional de ensino deve ter.
No apartamento, já na cama, meditava sobre o encontro e as situações negativas que torpedeiam o ensino público e que prejudicam o futuro educacional e profissional de nossos jovens nos sertões e nas metrópoles. Tudo isso começou nos anos 60 do século passado quando pressionados pela sociedade e por políticos apátridas o Senado editou uma lei retirando das verbas públicas de educação um percentual elevadíssimo cuja finalidade era promover e financiar a Iniciativa Privada de Educação e isto perdura até hoje, haja  vista que enquanto as Escolas e Universidades Públicas estão em dificuldades e decadentes, as Instituições de Ensino Privado se apresentam sólidas e prósperas.

A sociedade brasileira paga a iniciativa privada para a mesma cobrar mensalidades escorchantes a seus filhos. Isto significa dizer que a Iniciativa Privada ganha duas vezes não considerando as bolsas de estudo. Ainda bem que nas Moléculas não é assim que a Educação funciona. Nas Moléculas o grande esforço é no sentido de garantir uma educação de base de amplo espectro e uma educação mediana já visando uma atividade profissional conjugada a uma atividade artística. Estava ainda matutando sobre o assunto quando fui interrompido por Celso.
- Tem suco de abacaxi, toma um também?
- Aceito, respondi secamente.
- Vejo que você ainda está preso em pensamentos ao encontro com as crianças.
Ele voltou com um copo de suco e fez um comentário.
- JB e aqueles que não têm a mesma oportunidade que eles têm?
- Só nos resta uma coisa Celso. Orar por eles.
- É você tem razão. Para os que não estão aqui, que Deus os guarde.
Celso deu-me o suco, colocou os fones no ouvido e foi deitar. Eu tomei meu suco, virei de lado e adormeci.
No dia seguinte acordamos cedo e fomos dar uma caminhada pelas ruas próximas. Celso como um guia explicava o que este ou aquele edifico continha e o que se desenvolvia neles a nível de atividades. De repente algo chamou a minha atenção; na Molécula não havia redes aéreas elétricas.
- Celso como é feita a distribuição de energia elétrica na Molécula?
- Ela não é distribuída JB. Cada edifício ou cada quadra tem seus próprios geradores de energia.
- Mais isto não se torna dispendioso?
- Pelos métodos que você conhece sim mais pelos métodos que empregamos não.
- Vocês então desenvolveram uma tecnologia própria para obtenção de eletricidade?
- Sim e não utilizamos combustíveis de espécie alguma a não ser água. Água, água e água. Venha ver como funciona nossa tecnologia.
Dizendo isso fez sinal para que entrássemos em um edifício próximo. Falou com o responsável da portaria e por uma pequena porta descemos até o subsolo. E de frente para o sistema gerador explicou;
- Aí estão os quatro geradores do edifício. Dois trabalham em regime de revezamento e os outros dois atuam como reservas. Estes grossos tubos trazem água que fazem as turbinas funcionarem produzindo energia. Agora como o complexo total funciona aí não posso explicar.
- Mais para onde vai tanta água utilizada?
- JB JB, não insista. Isso não posso te dizer.
Tomamos nosso café na área de alimentação e quando já íamos saindo um grupo de Conselheiros chegava. Como não nos viram subimos para o apartamento. Enquanto Celso ultimava alguns documentos sentei-me na varanda para apreciar a paisagem da Molécula 1 – Canudos. Suas montanhas reflorestadas, catingas verdejantes, sinuosos regatos e igarapés, lagos que mais pareciam gigantescos espelhos tudo isso interagia com as sofisticadas e modernas construções da Molécula. Apesar da brisa da manhã refrescar a varanda um sutil perfume inundou o ar.
- Bom dia Sheylla, Um perfume tão feminino só poderia ser usado por uma deusa.
- Assim não vale JB. Você estragou a minha surpresa.
- Surpresa? Mais que surpresa?
- Aí está um muiraquitã autêntico JB. É para você.
Agradeci dando um beijo em seu rosto e ela colocou o muiraquitã no meu pescoço.
- Gente vamos embora pois só faltam quinze minutos para a ritualística.
Coincidentemente chegamos juntos com alguns Conselheiros e depois de verificado que a presença total estava nos conformes o Dr. Gomide fez uso da palavra;
- Bem faltam dez minutos para o inicio dos trabalhos e possivelmente o primeiro réu deve adentrar a sala exatamente às nove. Orientados pelo Sistema da NVBR01 serão retirados relógios e câmaras que americanos e ingleses possuem encaixadas nas fivelas dos cintos. Eles são equipamentos de transmissão de dados e estão em sintonia com os satélites MUUOS. Os chineses usam os rádios celulares convencionais mais a Cel. Zhang Kequing possui um incrível transmissor 4G incrustado no cabo de seu secador de cabelos. Todas as providencias já foram tomadas, só nos resta aguardar o primeiro a chegar.
Todos estavam acomodados em seus respectivos lugares no aguardo dos acontecimentos. Conforme instruções dadas no memorando recebido pelo destinatário, o mesmo deveria na hora marcada se apresentar na ante sala aos dois oficiantes e eles então o introduziriam na sala onde seria recebido. Exatamente as nove três pancadas na porta anunciavam a presença do primeiro a ser interpelado.
Os dois oficiantes à Figura foram até a porta receber o interpelado. Após cerrarem a porta, o conduziram até a Figura onde por alguns segundos se notou estertores e sons guturais emitidos pelo interpelado evidenciando um transe mediúnico. Passado este momento, todo o processo ritualístico transcorreu conforme o previsto. Um a um, todos vieram prestar contas de seus atos e depois disto eram conduzidos aos seus aposentos onde seus pertences eram recolhidos e em seguida eram logo embarcados em uma aeronave. A ultima pessoa a entrar foi a Cel. Zhang. Quando os oficiantes à Figura foram conduzi-la, ela com um gesto brusco desvencilhou-se dos dois e olhando furiosa indagou:
- Mais o que é isso?
- Prestação de contas Srta. Zhang. Respondeu calmamente o Dr. Gomide.
De ante da Figura ela suava e arquejava. Estava completamente desfigurada, grunhia e babava e não saia do lugar. Mediante isso o Dr. Gomide fez um sinal para que os oficiantes aplicassem suas mãos as costas da Srta., e a empurrassem devagarzinho para o centro da Figura. Um cheiro horrível inundou o ambiente, quando ela já no interior da Figura não mais grunhia nem babava. Seu corpo parecia boiar no espaço com tendências para o lado direto. Levou algum tempo para abrir os olhos e quando os abriu pudemos perceber que seu corpo oscilava para um lado e para o outro de uma forma quase imperceptível. Forças e poderes metafísicos estavam ali em terrível luta e eu podia perceber isso embora não visse nada, Uma senhora, a Conselheira Yndhira apertava a boca com as mãos demonstrando que estava vendo algo horrível e assustador. Neste instante o Dr. Gomide autorizou a leitura do Processo. 

Quando a leitura teve inicio a Srta., Zhang deu dois passos cambaleantes para frente e balbuciou – Senhores estou grávida. Nem terminou de expressar a frase e abateu-se pesadamente ao chão segurando a nuca com a mão esquerda e mantendo a direita encostada à cabeça com a palma da mão virada para cima. Sinal metafísico do pedido de perdão e clemência. Após alguns momentos de um sepulcral silêncio o Dr. Gomide levantou-se, expôs as razões e a gravidade do momento e solicitou do Senado do Conselho opiniões. Todos estavam meditabundos e em dado momento Tharas Can o mongol fez seu pronunciamento.
- Senhoras e senhores membros deste Senado, temos duas situações diferentes a nossa frente que são terríveis desafios ao nosso julgamento. A primeira é a quebra das regras e normas que regem a vida nas Moléculas e a segunda é a situação nada confortável de uma mãe e uma criança devido a esta falta grave que não podemos deixar de corrigir. Lembro a todos que o maior dos esforços das Moléculas é garantir resguarda, assistência e o futuro da nossa População Materno Infanto-Juvenil. Obrigado.
- Senhoras e senhores estamos de recesso por dez minutos. Quem quiser pode ir para as salas contíguas para meditar. Decidiu o Dr. Gomide
Particularmente era a favor de uma pena dura para a chinesa mais por um outro lado advogava atitudes humanitárias em relação a sua gestação. Sinceramente torcia a seu favor.
O oficiante à mesa foi chamado e a Dra. Anecy deu-lhe algumas instruções. Ele foi até a porta e repassou as mesmas a quem estava do lado de fora da sala. Minutos depois, pancadas na porta anunciavam a presença de alguém. Os oficiantes à Figura foram até a porta e um senhor se apresentou; era o Cmte do voo que levaria os espiões para Paris.
- Dr. Roberto, como o horário de partida expirou a mais de uma hora e os contatos com o senhor só poderiam ser feitos pessoalmente vim aqui para saber como devo proceder ainda mais que a Cel. Zhang não embarcou e os chineses estão um pouco rebeldes devido a sua ausência.
- Cmte Péricles a Cel. Zhang não embarcará, Refaça a lista dos passageiros e quanto aos chineses use os seguranças a bordo se necessário. Parta imediatamente.
- Certo senhor. Com licença.
O Cmte Péricles se foi e quando um dos oficiantes ia fechar a porta, alguém lhe entregou uma bolsa. Da mesa, a Dra. Anecy fez-lhe um sinal solicitando a mesma. Enquanto os Conselheiros se retiravam para o recesso, a Dra. Anecy e a Sra. Yndhira foram até a Figura onde a chinesa permanecia de bruços, colocaram um pequeno travesseiro sob sua cabeça, ajeitaram-lhe os braços rentes ao corpo e a cobriram com um lençol. Entendi que a moça estava em transe profundo símile aos que os iaôs ou filhos de santo de determinadas linhas de candomblé ou vodu vivenciam quando oram de bruços de ante de ícones de suas divindades. Ali, no entanto, a coisa tinha outro aspecto e dimensão.
Na mesa permaneciam calados o Dr. Roberto, o Dr. Gomide, Celso, Sheylla e o oficiante. Não sei por que não fui para o recesso com os outros e quando tomei a decisão de ir para a outra sala o Dr. Gomide fez um sinal para que permanecesse onde estava e me indagou em voz baixa.
- Você tem alguma ideia ou sugestão JB?
- Sinceramente Doutor não!
Instado, o Doutor, Roberto maneiou a cabeça, Celso deu de ombros e Sheylla deu apenas um muxoxo.
Na sala de recesso as dúvidas eram muitas, pois de lá vinham o som de conversas acaloradas. A situação estava neste nível de incertezas quando a pequena sonda telexiônica explodiu no ambiente; Era Theu:
- Cmte vai haver uma transmissão do Cmte Aulax sobre o problema interliguem um lap top por favor.
Rápido Celso interligou o lap top do Dr. Roberto e a mensagem começou a ser digitada na tela pelo Arquivo da NVBR01:
===== Olá a Todos. Estudamos todos os aspectos da situação da Srta. Zhang. Ela não tem como voltar ao seu País. Ela não pode ficar na Molécula e expulsá-la simplesmente do País seria condená-la covardemente. Não podemos impedi-la de ser mãe. Temos que garantir-lhe a assistência universal a criança. Mais também não podemos ferir as regras e normas que regem as Moléculas. Mediante isso decidimos que ela deverá ser levada para o Reino dos Tupyguaçus nos Planaltos Centrais do Brasil. Lá ela ficara até a criança atingir a idade pré-escolar, nesta época, tomaremos outras decisões. Na Long: -53.4 e Lat: - 9 entre a serra do Roncador e a Serra dos Gradaús, existe uma antiga pista de pouso. Índios esperarão por ela a partir de amanhã. Ela deverá saltar de para quedas e só levará equipamentos e roupas de campanha e o enxoval do nenê. Saudações a todos e até breve, Aulax ====
- Que acha disso JB?
- Pelo que eu sei Dr. Gomide, uma pesquisadora francesa há alguns anos atrás, participou de um ritual numa tribo se eu não me engano no Pará. Simplesmente ela desapareceu por muitos dias e quando ela reapareceu contou que foi levada para uma região incrível onde viviam pagés de alta estirpe. Parece que nunca deram crédito as suas narrativas. Agora se realmente este reino existe, ele será o único lugar em que a chinesa estará a salvo da ira de seus superiores.
Como o recesso terminara os conselheiros se acomodaram em seus lugares e todos eles demonstravam uma patente preocupação. O Dr. Gomide de maneira calma pôs-se de pé e indagou se alguém trouxera alguma sugestão, como ninguém se pronunciou ele foi enfático:
- Senhoras e senhores, como este Senado não tem nenhuma sugestão a apresentar, teremos que seguir as orientações recebidas da NVBR01 sobre o caso que me parecem ser as mais indicadas.
Pausadamente o Dr. Gomide explanou sobre as orientações recebidas e ao término solicitou ao Senado do Conselho que o ratificassem. Como todos votaram a favor ele solicitou das duas conselheiras conciliadoras que levantassem a Srta. Zhang para que ela ouvisse a decisão do Senado do Conselho sobre seu caso. A Dra. Anecy e a Sra. Yndhira foram até a Figura e cuidadosamente levantaram a Srta. Zhang e a mantiveram amparada de pé. Ela parecia debilitada e a Sra. Yndhira abraçou-a e deixou que ela repousasse a cabeça em seus ombros. O Dr. Gomide leu então as orientações emitidas pelo Cmte Aulax e concluiu.
- Mediante o decidido pelo Senado deste Conselho, a Dra. Anecy e a Sra. Yndhira partirão imediatamente acompanhando a Srta. Zhang para uma fazenda na Ilha do Bananal onde será preparada a sua viagem rumo ao Reino dos Tupyguaçus. Em sendo assim dou por encerrada esta sessão do Senado do Conselho das Moléculas.
A Srta. Zhang chorava amparada pela Sra. Yndhira. Sheylla e outras Conselheiras foram até ela e a confortaram silenciosamente mais quando o Dr. Hugo que chefiava uma pesquisa em que ela era uma pessoa importante ia passando parou e emocionado exclamou:
- Ó minha filha acontecerá um final feliz para tudo isso!
Ela lançou-se em seus braços e entre um soluço convulsivo e outro balbuciava;
- Desculpe Vovô, me desculpe.
Era este o tratamento carinhoso que toda a equipe dispensava ao velho pesquisador. Um longínquo e suave canto e sutil aroma inundaram o ambiente. Um Oba africano que quase nunca se pronunciava alisando as brancas cãs exclamou
-Ou Deus nos abençoa ou a Natureza festeja alguma coisa.
****

**** O olho que dizem que tudo vê, olha o Mundo e não me enxerga pois no Ontem não era, no Hoje não é e no Amanhã nunca será. No entanto Eu olho o Mundo e o olho que dizem que tudo vê: Eu o vejo e o enxergo pois no Ontem Eu era, no Hoje Eu sou e no Amanhã sempre serei porquê na Eternidade das Eternidades, Sou Um de D*E*U*S*.

**** Eu vim, vi e venci e nem “eles” me viram nem tu me viste.
**** Um abraço a todos, até o próximo artigo e Inté.
**** Independência ou Sorte. O Aedo do Sertão

**** Fim.

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