Havia
de editar Na Molécula I, porém se avizinhava o Natal e a recordação
de outros Natais vividos me veio à mente, principalmente o de 1979.
Resolvi então, falar dele, ou melhor, explicar por que ele foi
importante para mim.
Já
havia algum tempo que morava em um pobre bairro da periferia entre
gente humilde sem o devido amparo da sociedade e muito menos do
governo, mais até hoje moro nele. Cheguei aqui com pincéis, tintas
minha mochila de campanha e me instalei numa humilde meia-água.
Minha longa barba e cabelos encaracolados até os ombros foram
motivos para que os circunvizinhos me chamassem de Barbudo ou o Baby.
Nunca me aborreci com os apelidos e é assim que me chamam até hoje,
adultos e crianças. Os adultos do lugar em sua maioria são
pescadores, trabalhadores na construção civil e outros serviços
humildes. Apesar disso isto é, do lugar ser humilde, ano após anos
gente de mais preparo e até de posição social mais elevada estão
emigrando e se instalando de mala e cuia no bairro. Muitos são da
classe média que após se aposentarem não tendo mais como pagar as
altas taxas de condomínio nos bairros mais sofisticados do Rio de
Janeiro fogem para as periferias. É o sinal dos tempos. O outro
sinal será o êxodo para os Sertões.
Em
1979, às vésperas do Natal vendo a necessidade de tudo e de todos
na revolta, resolvi escrever ou pintar alguma coisa referente ao
Tema. Pintar não pintaria, pois prometera a mim mesmo jamais pintar
coisas tristes, por que descobrira que um quadro é um ícone, um
terrível amuleto que tanto pode ser empregado pára o bem ou para o
mal das pessoas. Descartada essa possibilidade resolvi escrever
sobre, mais o que? Passei uns dois dias contrariado sem saber o que
fazer, quando no terceiro dia explodiu como uma represa destroçada
lançando para todos os lados suas furiosas caudais de água, meu
cérebro, minha mente. E o resultado foi o nascer de Vozes do Natal,
quatro sonetos específicos sobre o assunto e aí estão.
O
Natal do Sem Terra
Sou
o sertanejo de bruto e tosco arado,
Que
o Sol só encontra em férrea lida.
Com
as mãos calosas, as roupas em andrajos,
Os
pés estrepes, a boca ressequida.
Sou
quem planta e colhe o grão que te alimenta,
Embora
o que me toca é a soca da colheita.
Enquanto
a tua fortuna a cada dia aumenta,
A
Megera Fome o meu casebre espreita.
Enquanto
bebericas estrangeiro vinho,
Cá
me contento no aluá e na garapa.
Sei
que tuas sobras são do bom lombinho,
Mais
daqui só me escapole, da panela a rapa.
Mais
nesta noite do Senhor Menino,
Quando
forte canta o galo e tudo é Aleluia.
Ergo
meus olhos e rogo a Deus em prece:
Que
abarrote a tua burra e bem farte a cuia.
O
Natal do Prisioneiro ou do Pré-Solto em mente.
Na
masmorra apodreço e não sei onde nasce o Sol.
Fui
valente e audaz mais agora estremeço;
O
frio manto da solidão é o meu lençol...
E
no catre imundo entre pulgas desfaleço.
Também
fui criança como o Deus Menino,
Brinquei
de gude, pulei carniça mais não tive escola.
Essa
coisa que dizem ser boa, mais por desatino,
Alguns
doam aos pobres apenas por esmola.
Sou
a estátua nua da miséria humana,
Pois
criminoso rico, aqui jamais perece...
Se
apenas sou esterco ou flor de qualquer lama,
Não
é a sociedade em si mesmo que apodrece?
Nesta
noite me sinto um párea, porém sereno,
Reivindicando
os mil direitos do existir.
Não
foi no Calvário, entre ladrões que o Nazareno,
Para
nos salvar veio a sucumbir?
Um
almofadinha contou-me certa vez;
Que
existe mais bordéis que escolas neste mundo.
Mais
fuzis do que arados para o plantio e talvez
Neste
tema sem temor me aprofundo
Pois
há mais crianças do que pão para alimentar
E
isto falo a vossa inteligência
Muito
mais de maldosos dedos para armar e apontar
Existem
dez para cada consciência
E
ela, somente ela de cada um, que venha me julgar,
A
si, seus próprios atos e dê a pena certa.
Pois
no céu de qualquer um de par em par,
A
porta do perdão jaz como sempre, aberta.
Natal
de Prostituta é no Paraíso
Sou
prostituta não nego, pois em fofa cama,
Satisfiz
tua carne por alguns vinténs.
E
agora nesta noite, de gloriosa fama,
Lembrança
de mim não guardes, recordações de mim não tens.
Nada
te peço mais devo te lembrar agora,
Minha
alcunha é sacrilégio na tua nobre sala.
Mais
ao badalar do sino, feliz com tua senhora,
Beija-a
como a mim beijaste até fugir-lhe a fala.
Onde
me encontras não quero que jamais encontres,
Tua
filha, teu sangue e não seja tu o juiz.
Pois
minha é a verdade, quiçá não me afrontes,
Sou
mãe, fila e amiga, embora meretriz.
Saiba
que uma de nós prosternada um dia,
Os
pés do senhor em seu farto colo recolheu.
E
ele nos profetizou esta verdade pia:
Antes
de reis, bispos e doutores, assim se fará de forma absoluta:
Entrará
no Paraíso entre cânticos e louvores,
A
mais infeliz e pobre prostituta.
Natal
na Favela não arranha o Céu.
Sou
o operário que bem longe habita,
Sou
eu que tijolo por tijolo ergue a construção
Sou
um ser a ré, o parco salário me avilta,
Sou
da máquina combustível, do progresso a mão.
Sou
o homem sem porvir da sociedade ausente,
Barata
de favela ou fétido alagado.
Só
tenho de meu, o aconchegante e quente,
Amor
de uma cabrocha que reparte o meu estrado.
De
fábrica em fábrica, de construção em construção,
Minha
vida é um girar, como o girar do monjolo.
Simples
carta descartada no jogo da ilusão,
No
resto do entulho, pedaço de tijolo.
Os
vistosos arranha céus dominam a paisagem
Do
alto da favela a cidade observo:
Pirilampando
de luzes, festejando um deus imagem.
Que
talvez tenha esquecido deste humilde servo...
Entre
um gole de cachaça e um tira gosto de inveja,
Prescruto
meu mundo e o outro, muito mais além.
Tenho
os olhos umedecidos e minha alma peja,
Comovo-me
com as estrelas, me embruteço com o desdém.
Da
porta do barraco a velha mãe me grita:
-Filho!
A mesa está pronta, já e hora, é a ceia.
O
que foi que houve ou o que te irrita?
É
o repicar dos sinos ou o canto da sereia?
Mais
coração de mãe filho nenhum engana.
E
correndo comovida me abraça tagarela;
-Filho
meu!Filho meu! Exclama:
ARRANHA
CÉU também é Favela!
Era
véspera de Natal e fui visitar a Mãe em seu trabalho mais não
fiquei para a ceia, pois o ultimo ônibus para meu bairro era a meia
noite. Quase o perdi mais cheguei ao bairro umas duas horas da manhã
e havia muita gente nas ruas comemorando. Com sede entrei na padaria
próxima a minha casa e pedi um refrigerante. A padaria estava cheia
de gente e muitos vieram me cumprimentar. Entre abraços e desejos de
um feliz Natal uma senhora exótica veio me abraçar e disse:
-Não
sou daqui, estou de passagem mais outro dia haveremos de nos
encontrar.
-
Como assim? Onde?Indaguei.
-
No Paraíso meu amor. No Paraíso.
-
E nós não?Indagaram todos.
E
a exótica senhora se indo respondeu:
-
Qual o bom Pai que não espera na porta o filho que vai chegar?
Depois
que ela saiu um senhor curioso foi até uma das portas, olhou para um
lado e para o outro e de olhos esbugalhados voltando exclamou:
-
Gente! a dona sumiu!
Uma
velhinha muito sirigaita que bebia com um grupo numa mesa olhou para
mim e piscou os olhos como entendi o sinal fiz com o polegar um sinal
de positivo e me fui.
****
**** O
olho que dizem que tudo vê, olha o Mundo e não me enxerga pois no
Ontem não era, no Hoje não é e no Amanhã nunca será. No entanto
Eu olho o Mundo e o olho que dizem que tudo vê: Eu o vejo e o
enxergo pois no Ontem Eu era, no Hoje Eu sou e no Amanhã sempre
serei porquê na Eternidade das Eternidades, Sou Um de D*E*U*S*.
**** Eu
vim, vi e venci e nem “eles” me viram nem tu me viste.
**** Um
abraço a todos, até o próximo artigo e Inté.
****
Independência ou Sorte. O Aedo do Sertão
**** Fim.
**** Fim.
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